Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, apesar de idolatrar esses botecos nos quais a cerveja nunca está bastante gelada, a TV de catorze polegadas, com um chumaço de bombril na antena, nunca está bem sintonizada, o forro da mesa de sinuca (empenada) tem mais furos que rede de pesca e a calabresa vem sempre nadando em óleo – tudo muito brasileiro –, também gostamos de passear pela Europa, o Velho Mundo, principalmente se for pra dizer depois que lá (ou melhor, aqui) não tem nada demais, é muito papo para coisa pouca, que somos mais a originalidade do nosso País adolescente, e desce outra, Tião, mas vê se dessa vez uma do fundo do freezer.
Foi com esse espírito que eu me preparei para passar o réveillon em Paris, embora – confesso – esperasse ser surpreendido (o que, obviamente, não me impediria de inventar que não fora nada demais, é preciso manter a pose). Pois bem: depois daquele imbróglio da chegada, eu e meus amigos passamos a manhã e a tarde do dia 31 dormindo. Acordamos às cinco e meia tarde afobados, tínhamos de correr para comprar comida para aquela noite e para o dia seguinte, além das bebidas para a virada de ano.
Olhando as prateleiras do supermercado, que eu cheguei à conclusão de que toda essa magreza dos franceses não se deve nada ao longo tempo que eles passam na mesa, visto que estão pau a pau com os italianos neste quesito; é porque a comida lá é cara, mesmo. Nossa feirinha básica deu, brincando, 65 euros. E, nessa, não houve outro jeito que não levar apenas duas garrafas de vinho e duas de champanhe, sem nem ver os rótulos, só os preços.
Detonamos os vinhos durante o jantar – éramos cinco, afinal – e saímos com os champanhes a tiracolo em direção a Torre Eiffel. Muita gente pelas ruas, inclusive brasileiros, que eram os únicos a entoar canções, desde …Feliz ano novo até o hino do Flamengo. A 100m da Torre, viaturas policiais nos deixaram temerosos por estar levando garrafas de vidro, mas passamos tranqüilamente por elas e chegamos ao nosso destino.
Que horas são? Não sei, esqueci meu celular em casa. Ai, meu Deus, eu também. Eu também. E agora? Ah, relaxa gente, deve ter contagem regressiva. Será? Óbvio, impossível não ter. Então tá. Ai, olha a hora ali no relógio do cara. Olha você, que tá mais perto. Er… Eu não sei olhar hora em relógio de ponteiro. Puta que o pariu, que desculpas a timidez faz a gente arranjar, hein? É sério, ele não sabe mesmo. Pera que eu vou perguntar. Me diz, o que é isso? Isso o quê? Não, me diz, foi isso que o cara falou, mã diz, sei lá. Aaaaah, moins dix, menos dez. Ai, tá perto. Vamo estourar a primeira garrafa? Que gosto ruim da porra, parece aquelas balas de maçã verde. Acho que é de maçã mesmo, pomme não é maçã? É. E sans, sem? Hum, hum. Ops, eu acho que a gente comprou champanhe sem álcool. Ah, puta que o pariu! Cê tá de brincadeira? Comé o negócio, velho, deixa eu ver isso aqui. Porra, é sem álcool mesmo. Ê, laiá. Que beleza!
Desolados, nos sentamos no meio-fio dos jardins de Champs de Mars, à espera da contagem regressiva. Enquanto mirávamos o lusco-fusco das lampadinhas azuis, que contrastavam com a típica iluminação amarelo-poste da Torre, ríamos, invejosos, dos grupos que, dessincronizadamente, estouravam seus champanhes alcoólicos.
Ai, eu acho que já é meia noite, olha as luzes azuis, tão piscando com mais intensidade. Mas e a contagem? Acho que não vai ter contagem, não, viu gente? Ai, como não?, até no Brasil tem. No Brasil também tem gente vendendo bebida pelas ruas, você tá vendo alguém aqui? Ô, gente, mas eu lembro de ter visto na televisão: tinha contagem, fogos, e depois aparecia “feliz ano novo” escrito. É, eu também tenho uma vaga lembrança de que era assim. Mas, peraí, como é que tava escrito? Feliz ano novo. Assim mesmo, em português? Hum, acho que… Ai, meu Deus, não acredito! Bidu! Hahaha, era a rede Globo que escrevia na tela! Hahaha. Hahahaha. Hahahaha. Gente, será que a Globo forja os réveillons em todos os lugares do mundo? Tirando por esse, acho que sim, hein. Ei, olhem ali, os fogos. Isso são os fogos? Até Salvador ganha desses aí. Até um Ba-Vi ganha desses aí. Bom, o jeito é fazer nossa própria contagem, né? Eu abro a garrafa, eu abro! Essa merda! Dez. Nove. Oito…
O que acontece depois? Bom, os franceses vão para as boates ou ficam bebendo pelas ruas. A nós, só nos restou tirar umas fotos com sorriso falso e ir pra casa. Pelo menos, voltarei para o Brasil com uma história melhor que qualquer outra que eu me visse obrigado a criar para impressionar os companheiros de boteco.
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