E eis que este Correspondente cá retorna! Depois de ser boicotado pela Microsoft com um poderoso vírus chamado Windows Vista -- sabe como é, medo da fama do RezBoa --, e depois de ter passado por poucas e boas numa viagem de fim de ano ao lado de amigos, restam agora os relatos. Vamos ao primeiro, que conta sobre uma noite de aparente mendicância na Cidade Luz.
Assim que desembarquei na França, aprendi uma lição: antes de comprar uma passagem de avião, principalmente pela econômica Ryanair, faça uma pesquisa para saber a distância em que o aeroporto onde vai saltar está do lugar onde pretende ir. Porque o aeroporto de Beauvais pode até se chamar Beauvais-Paris, mas o certo é que dista uns 90km de Paris, e para chegar lá só há duas maneiras: ou de ônibus (13 euros), ou de táxi (175 euros).
O esquema em Paris era ficar na casa de uma amiga, que viajara mas deixara suas chaves com a gardien (zeladora) do prédio. Só que, sabe como é a França, né?, seis horas de trabalho, todo mundo muito cumpridor das normas… Tínhamos dúvidas se iríamos encontrar a gardien quando chegássemos lá; porque eram 10h30 da noite e ainda tínhamos de pegar o ônibus, e depois o metrô quase fechando e… O mais seguro e cômodo, na medida do possível, era passar a noite no aeroporto e nos picarmos bem cedinho.
Primeiro contratempo: o aeroporto fechava e ninguém podia ficar lá dentro.
Resignados, compramos a passagem de ônibus. O que quer que nos esperasse em Paris seria melhor que ficar no meio do mato, num frio de uns quatro graus negativos.
Segundo contratempo: um funcionário apareceu dizendo que o ônibus havia quebrado.
Mas que ninguém se preocupasse, eles chamariam táxis para nos levar. Ao nosso destino final.
Enquanto esperávamos os táxis, conhecemos umas paulistas que, como nós, haviam chegado da Itália para passar o ano novo em Paris. E tivemos tempo para conversar bastante, porque demorou quase uma hora para que chegasse o táxi.
Terceiro contratempo: Um táxi, para mais de dez passageiros cheios de malas.
Se não me engano, um casal acabou indo no carro. Nós, que éramos cinco, ficamos com os outros, e mal começamos a protestar, surgiu outra solução: que ninguém se preocupasse, eles chamariam vans para nos levar. E tome-lhe mais uma hora de espera. Mas tudo bem, afinal, estávamos crentes de que seríamos levados ao nosso destino final, assim sairíamos no lucro. Só que não foi bem isso que eles anunciaram assim que as duas vans chegaram. Disseram que, como o ônibus faria, só nos levariam até a estação de Porte Maillot, na entrada da cidade, e que de lá nos virássemos. Incitado pela indignação e pelo desespero dos amigos, um milagre me aconteceu: eu comecei a falar francês. Sabe Deus como, certamente não teve nada a ver com os dois anos de Aliança Francesa que eu fiz, porque deles só me lembro de ter ido em um terço das aulas, de não ter feito nenhum exercício e de ir ao banheiro toda vez que a professora começava com aquele teatrinho idiota que todas as professoras de língua fazem. Pois só sei que eu falei: falei que, por culpa deles, àquela hora já iríamos encontrar o metrô fechado, e que era obrigação da empresa levar cada um até seu destino final. Meu interlocutor, cheio das desculpas, sugeriu a solução: ele devolveria meu dinheiro e eu ficaria ali até a hora do próximo ônibus, às oito da manhã.
A primeira imagem que tenho da França é de faróis de carro iluminando um pedaço da estrada numa noite escura feito breu, ao som de divas do porte de Lara Fabian e Celine Dion.
Despejados os oito brasileiros em Porte Maillot, lá pelas duas da manhã, fui pedir algumas informações sobre metrô e localização aos nativos. Vi dois homens e uma garotinha descendo as escadas de um estacionamento e corri até eles, gritando s’il vous plaît, mesieurs, une información, s’il vous plaît. Um dos homens me olhou de relance dos últimos degraus da escada e todos apressaram o passo. Resolvi apelar a gente mais jovem e pude saber tudo que queria. Que o metrô só abriria às cinco e meia e que o aeroporto Charles de Gaule, onde pensávamos em passar a noite eu e meus quatro amigos, estava longe, muito longe – a 70 euros de táxi.
Ajudei às três paulistas com o seu táxi, já que elas tinham reserva num hotel, e fomos em busca de um lugar mais iluminado para ficar. Que acabou sendo um ponto de táxi, do outro lado da rua, em frente a um hotel luxuoso. Depois de quase uma hora de e aí, o que fazemos?, resolvemos perguntar, só por curiosidade, a um taxista, quanto custava a corrida até o nosso endereço. Para nossa surpresa, saia a um preço bom, dividido pelos cinco, e, por mais que tivéssemos a certeza de que não entraríamos no quentinho de casa tão cedo, achamos melhor passar a noite na porta do prédio do que ali.
O edifício era numa rua elegante, a poucos minutos da Torre Eiffel, e, entre a calçada e a porta, havia uma áreazinha, inclusive com plantas formando uma cerca viva. Arriscamos ainda tocar a campainha da gardien, mas nada. Por mais doloroso que fosse, resolvemos não buscar uma maneira de ficarmos confortáveis, porque isso exigiria sermos expansivos, e não creíamos que algum francês que entrasse ou saísse do prédio, ou que simplesmente passasse pela rua, compreenderia a cena. Assim, pusemos as malas num espaço para estacionar motos que havia ao lado do prédio e ficamos bonitinhos, sentadinhos na balaustrada da áreazinha.
Ao ver que a padaria do outro lado da rua começava suas atividades, uma das meninas do grupo ensaiou sua melhor cara de gatinho do Shrek e foi pra frente da vitrine, tentar comprar pão. Inutilmente. Uma hora depois eu também tentei bater lá, lá e num hotel, para pedir um pouco d’água – àquela altura já havia perdido o bom senso e passara a acreditar que outro milagre seria possível, e que um deles iria abrir a porta e me encher a garrafa com água da torneira. Inutilmente.
Aos poucos, todos foram cedendo ao sono, enquanto eu e outro permanecíamos acesos, embora cambaleantes. Pra felicidade geral, lá pelas 5h30 a padaria abriu, e fomos comprar pão e croissants. Há quem diga que comeu o melhor croissant de sua vida ali, mas eu preferi o cacetinho com gergelim que tinha gosto de sanduíche de atum. E vamos à cena mais marcante dessa longa madrugada:
Eis que me passa uma senhora bem vestida passeando com seu poodlezinho. O cachorrinho, afoito, cheira o chão e se encaminha para as plantas que formam a cerca do prédio. A senhora se depara com aqueles cinco jovens encapotados até o pescoço – e aqui com destaque para uma das meninas do grupo, que desobedecera às regras de não-expansividade e se enfiara dentro do saco de dormir –, devorando pão puro (mas francês, ora!) como se fosse um manjar. A velha não podia ter outra reação, coitada. Ela abriu a cara mais apavorada que eu já vi – quiçá só comparável aos closes que os cinegrafistas capturaram das pessoas que observavam o 11 de Setembro acontecer –, puxou o cachorrinho pra longe de nós e, praticamente, correu. Um momento inesquecível.
Seguindo as instruções escritas ao lado da campainha, às 7 em ponto da manhã chamamos a gardien. Ela nos deu as chaves, subimos e dormimos até cinco e meia da tarde.
2 comentários:
Meu deus, essa história é digna de uma novela global hihihihihihi... tadinhos. Quando fui a londres passei por poucas e boas tb =p
adorei o blog.
Beijinhos.
nossa, esse correspondente internacional é um ótimo escritor daqueles tipos "diário de viagem"
continue narrando as aventuras na França, camarada. estaremos ligados!
beijo! :*
Postar um comentário