Um cara qualquer é atropelado por um ônibus. Dias depois, acorda num hospital e, tcharam!, descobre que lhe cortaram o pinto. Mutilado, o bróder, cuja existência até então era vazia de sentido, decide viver em prol de uma única função: cuidar do seu pênis, embalsamado dentro de um vidro de compota.
Pilatos [Cia. das Letras, 224 p., R$ 33] é a história deste homem sem nome e de seu pau, Herodes. Segundo o autor, Carlos Heitor Cony, figura carimbada do jornalismo e da literatura brasileira desde a década de 50, de todos os romances que escreveu, este é seu favorito.
É impossível não gargalhar durante a leitura. O texto é irônico, com doses de humor negro e nonsense. As melhores risadas ficam por parte dos contos escritos por um dos amigos do sem-pinto, cretinos desde os títulos — Mafalda, a malfadada ou O homem que virou macarrão [e como tal foi comido].
À época, 1974, o público considerou-o impróprio para o momento e o escritor. A intenção de Cony, porém, era justamente “dar uma banana à política e à literatura” — nas suas próprias palavras. À primeira, porque exigiam dele, naqueles tempos de ditadura, livros engajados. À literatura, porque fez a coisa mais antiliterária possível. O título, Pilatos, tem menos a ver com a obra que com a atitude do autor de lavar as mãos. Cony só voltaria à ficção em 95.
Mas é óbvio que não dava para fugir do contexto escandaloso em que vivia. Há um arguto retrato do País no livro; as desventuras do indigente sem pinto só poderiam acontecer no Brasil do regime militar.
[Publicado no Dez! em 3 de julho]
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