Matéria deste correspondente aqui sobre drag queens, publicado no hebdomadário onomatopéico Nacocó:
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O palco de forro vermelho é pequeno, assimétrico e mal estruturado. Agora está vazio, mas do backstage Valerie fala:
— Gente, estamos com um show novo — “Star” —, e o que vocês vão ver agora é uma pequena amostra. Dêem sua opinião com vaia, aplauso, churria... Ela é muito importante pra gente. Com vocês, “Star”! Dá o play, senhor Wilson!
Soam os primeiros acordes de “Emotion”, da girl band Destiny’s Child. Rainha Lou Lou é a primeira a entrar. Nariz aquilino, peruca loiro juba-de-leão até as costas, vestido dourado. Em seguida Suzzy D’Costa, igualmente loira, peruca mais volumosa e com franja, vestido de estampas vermelhas e verdes e detalhes em dourado. Por fim, a hostess, a promoter da casa, Valerie O’rarah, a única com peruca curta, de um loiro acastanhado, porém com o vestido mais dourado de todos, além das luvas negras e do inseparável corselete de mesma cor, carinhosamente apelidado de tarja-preta — uma marca registrada do seu figurino.
Se alguém nunca foi a um show de drag queens, ou só os viu nos programas populares de tevê, ao ver a performance da primeira caloura, vestida como uma personagem de “Moulin Rouge” e dançando algo entre a música pop, o hip hop e o eletrônico, reiteraria a sua opinião de algo vulgar. Mas ao ver a doçura e feminilidade que as Stars demonstravam no palco, o comedimento nas expressões, nos movimentos corporais e bucais — sempre condizentes com a música —, ficaria bastante impressionado.
O lugar tem o sugestivo nome de Âncora do Marujo e já existe há mais de 14 anos. Nasceu como uma barraca na praia do Corsário; há sete anos, os sócios Wilson, Fernando e Zé Carlos migraram para a rua Carlos Gomes, bem em frente à ladeira que quebra para a rua Tuiuti. Quem olha desatento não percebe que é um bar. O movimento lá fora não existe, e nem há placas chamativas. É na pequena área entre a grade da fachada e a porta de entrada que se vê, em papel laminado azul, letras recortadas formando a palavra MARUJO.
Ao lado, fotos e cartazes de várias drags, com destaque para a atração do dia (Valerie) e para a Miss Âncora do ano (Valerie). O Âncora funciona de terça a domingo, e cada show tem dia e hora pré-determinados, com revezamento no fim de semana. No dia de cada drag, seu quadro vai para a frente da casa, ao lado do de Valerie. Dando as costas às fotos, chega-se ao primeiro dos três ambientes. A iluminação é fraca, pálida. A textura branca e brusca das paredes lhes dá um ar engordurado. O piso, de azulejos alternados brancos e azuis, assim como as pequenas mesas redondas de tampo branco, dão um tom de lanchonete. Nas paredes, mais fotos de grandes transformistas baianas, todas com carreira na casa — Gessy Brasil, Scher Marie, Moranguinho, Marta Florzinha, Tracy Malda etc. etc.
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