setembro 05, 2007

Popó em Preto e Branco

Por Davi Boaventura
Fotos: Jônathas Araújo / LabFoto

Um quarto apertado e escuro. Bandejas por todos os lados. Filtros, papéis, pinças, arames e livros se espalham pela bancada simples de azulejos brancos, dando um ar de bagunça organizada. A luz vermelha das lâmpadas transforma o ambiente. Barulho, apenas da água e do ar-condicionado. Em um pequeno pedestal, um senhor de pele bronzeada trabalha com a ajuda de uma máquina preta. Ao seu lado, três recipientes cheios de líquidos. Produtos químicos que, em pouco mais de 5 minutos, transformarão um pedaço de papel revestido por uma emulsão de sais de prata em rostos, corpos, objetos, paisagens... beleza.

Para muitos, a descrição acima é de um lugar distante, esquecido ou, até mesmo, desconhecido. Para Edson Porto, o famoso Popó, essa pequena sala é sua segunda casa desde que entrou em um laboratório de fotografia em preto-e-branco pela primeira vez há 33 anos. Baiano de Itapetinga, Popó passou a infância em Ibicaraí, antes de vir para Salvador em 1970.

Nesta época, trabalhava como timoneiro em barcos a remo no Clube de Regatas Itapagipe. Foi quando conheceu Arlete Soares, fotógrafa e criadora da Editora Corrupio, que o levou para estagiar no Grupo Zaz, famoso conjunto de fotógrafos do início da década de 70, do qual fizeram parte importantes nomes como Paulo Diniz, Cida Nóbrega e Arnaldo Cleber, além da própria Arlete.

"Conheci a fotografia através do laboratório. A beleza da fotografia em preto-e-branco, o fato de você mesmo mudar sua foto, os efeitos, usar toda sua criatividade a partir de seu olhar me fascinaram ", relata Popó. A primeira aproximação foi com o trabalho artístico, mas ele também se enveredou pela área comercial e de publicidade. "Cansei de revelar foto com três, quatro publicitários batendo na porta", lembra, com a autoridade de quem já revelou 2000 fotos em pouco mais de duas semanas.

O aprendizado foi todo no trabalho do dia-a-dia e no contato com personalidades como Caribé, Mário Cravo, Zélia Gattai e, principalmente, Pierre Verger, de quem se tornou amigo e laboratorista exclusivo. "Naquele tempo não havia cursos em Salvador. E quando começou a ter, eles me chamavam para ser o professor", conta. A relação com Verger era tão forte que o etnólogo e fotógrafo francês alugou uma casa perto da dele e montou um laboratório no lugar, para facilitar o processo de revelação e o convívio. "Eu revelava e tomava conta das fotos", conta Popó. "Depois, a gente discutia a qualidade, o contraste. Ele sempre dizia para eu fazer do meu jeito".


Rumo ao digital - O tempo passou e a formato digital chegou com força. É cada vez mais raro encontrar um laboratório de fotografia em preto-e-branco em Salvador. "Quando a fábrica da Kodak (no Brasil) fechou, a situação ficou um pouco difícil. O papel sumiu, todo lugar em que eu achava, eu comprava", recorda Popó.

O último reduto da imagem em tons de cinza parece ser as universidades. Instituições como a Ufba, Unifacs, Jorge Amado, Unibahia e Unime ainda mantêm instalações próprias para a revelação e ampliação. "O principal motivo para as faculdades ainda manterem os laboratórios é o custo", observa o coordenador do Laboratório de Fotografia da Ufba, José Mamede. Segundo ele, a tendência é a substituição do equipamento analógico pelo digital, apesar dos altos investimentos necessários. "É uma cadeia evolutiva", explica Mamede.

Ainda que o filme de 35 milímetros, formato tradicional da película utilizada nas máquinas analógicas, pareça perder espaço no mercado, o charme da fotografia em preto-e-branco mantém os admiradores de Popó. Ele continua a fazer o que gosta até hoje, além de promover cursos, oficinas e se envolver em projetos educativos como o Caja Verde, que combina fotografia e preservação ambiental em Cajazeiras.

A iniciativa atende 200 estudantes, selecionados em escolas municipais e estaduais da região, que vão aprender técnicas de pin hole, fotografia analógica e digital, além de preparar uma exposição, prevista para o mês de novembro. "A idéia é mostrar Cajazeiras com o olhar da própria comunidade", relata Kilson Santana, coordenador-geral do programa.

Vaidoso, Popó não esconde a satisfação. "É bom saber que tem pessoas que estão crescendo com minha ajuda. É uma emoção", diz, orgulhoso. Seu filho, Félix Gan, foi um de seus aprendizes e hoje já trabalha como laboratorista em uma universidade. "Aprendi muito e está sendo muito importante levar esse conhecimento aos jovens", avalia.

Informações de como participar do projeto ou ajudar o Caja Verde podem ser obtidas pelo telefone (71) 3309 3762 ou na sede da entidade.

Serviço:

O quê: Projeto Caja Verde

Endereço: Via Local J nº 3. Fazenda Grande II, 2ª Etapa

Telefone: (71) 3309 3762

Atendimento gratuito.

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